Escolas sem telemóveis podem gerar "contrabando" e impedir "progresso": privado "sem medo de proibir", público prefere "regulação"
No Fórum TSF, a psicóloga Margarida Gaspar de Matos alerta para a "confusão" nas escolas e defende que a proibição dos telemóveis "fecha portas ao progresso" e pode gerar "contrabando": "Há jovens que têm muitos telemóveis e podem deixar um na entrada da escola e ainda lhes sobram outros dois"
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O anúncio do Ministério da Educação sobre a proibição do uso do telemóvel aplicada aos alunos do primeiro e segundo ciclo tem dividido opiniões: o setor público, que defende a "regulação" da utilização destes dispositivos, lembra que este é, acima de tudo, um "desafio da sociedade"; já o setor privado mostra-se favorável à medida, afirmando que em muitos estabelecimentos escolares esta já era uma realidade.
O presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, Filinto Lima, ouvido no Fórum TSF desta terça-feira, começa por defender que esta decisão deveria ficar ao critério de cada escola, referindo, aliás, que a proibição dos telemóveis é um tema anualmente debatido pelos agrupamentos. E salienta que este é um "desafio da sociedade" e não um problema que está "circunscrito à escola".
Quantas vezes não vemos nos restaurantes os pais entregarem aos filhos o telemóvel para eles estarem sossegadinhos, caladinhos e sentadinhos para que o almoço ou o jantar corra da melhor maneira? Quantas vezes os nossos alunos vão para a cama, até se deitam cedo, mas estão até altas horas da madrugada, agarrados aos telemóveis?
Foi precisamente por "votação popular" o Agrupamento de Escolas General Serpa Pinto de Cinfães decidiu proibir a utilização dos telemóveis nos espaços públicos das escolas, em 2022. Os alunos estão, contudo, autorizados a levar os dispositivos para o recinto escolar.
"Na sala de aula, se os professores, porventura, precisaram da sua utilização, se os alunos o tiverem, não há nenhum problema. O que nós tentamos foi regular a utilização", esclarece Manuel Pereira, diretor do agrupamento e presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, que destaca os resultados positivos da iniciativa.
A Confederação Nacional das Associações de Pais dá igualmente conta que a medida imposta pelo Ministério é "um pau de dois bicos": "Queremos a digitalização, queremos ter mais um instrumento de trabalho — que é isso que deve ser a digitalização —, mas depois queremos proibir", lamenta.
Já o diretor-executivo da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, Rodrigo Queiroz e Melo, confessa alguma "estranheza" pelo facto de terem existido dúvidas sobre se esta iniciativa se aplicava também às escolas privadas. "O ensino particular e cooperativo está sujeito à lei da nação", vinca, acrescentando que a utilização excessiva de telemóveis "não é um problema" no ensino privado, porque a sua restrição já está em vigor há muito tempo.
Entende também que este é um "problema social" e defende que nas escolas os alunos estão "mais protegidos", até porque têm "supervisão" dos professores durante sete horas por dia, enquanto que passam 17 horas fora das aulas, oito das quais acordados. E aí, sim, existe a possibilidade de um uso "desregrado".
"Não conheço nenhum colégio onde os alunos do primeiro ciclo possam usar livremente um smartphone e, no segundo ciclo, a mesma coisa. A proibição de uso dos telemóveis já existe numa quantidade de estabelecimentos de ensino. Aqui não há nenhum medo à palavra proibição", garante.
Indo mais longe, Rodrigo Queiroz e Melo sugere que é preciso pensar se esta não deverá ser "uma lei geral do país". "Ou seja, crianças abaixo de determinada idade não podem utilizar smartphones. Isto não é um problema só da escola", insiste.
E a psicologia, o que diz?
Margarida Gaspar de Matos, psicóloga e professora catedrática da Universidade de Lisboa, alerta que a nova diretiva do ministério tutelado por Fernando Alexandre é um "empurrar com a barriga" que "fecha uma das portas ao progresso". Argumenta que esta é uma atividade que tem de ser incorporada e regulada, porque é uma realidade à qual não se pode fechar os olhos.
"Como é que dos cinco aos 11 anos têm uma proibição e aos 12 começam a ter uma regulação e entre a proibição e a regulação não há um processo educativo?", questiona, mencionando o contributo positivo das tecnologias para a sala de aula, quando o seu uso é feito de forma responsável.
A também coordenadora do Observatório da Saúde Psicológica e do Bem Estar alerta mesmo para a "confusão" nas escolas e para um inevitável "contrabando de telemóveis".
O senhor ministro já deve ter pensado nisso tudo e deve ter uma solução para isso, mas vai ser um caos e um caos escusado, se, em vez de uma medida de proibição, houvesse uma medida séria e educativa, participada pelos miúdos em que os próprios jovens gerassem soluções para a utilização. (...) Há jovens que têm muitos telemóveis e podem deixar um na entrada da escola e ainda lhes sobram outros dois. Isto vai ser uma luta e escusava de ser assim.
A solução, reforça, deveria nascer de uma sinergia entre alunos, pais e educadores. E lembra que vários estudos também aponta que os estudantes estão "cheios de tédio pelas matérias da escola e cheios de stress pelo processo avaliativo" e nem por isso são tomadas medidas a este nível.
"Os professores que estão pela proibição estão todos em desespero. Os miúdos vão para a escola com o nariz no ecrã e saem da escola com o nariz no ecrã e não há uma aulinha no meio que lhe dê algum interesse maior. É por aí que nós temos de começar: é regular a utilização, potenciar a utilização para efeitos educativos e provavelmente também com carácter de urgência. Não é proibir o tédio e o stress nas aulas das escolas portuguesas", urge.
